LAÍS MANN
A voz doce, mas sem papas na língua, que marcou época no Paraná.
A dona de uma das vozes mais bonitas do Paraná veio de uma família pobre, de quatro irmãos. A mãe era enfermeira e comandava um ambulatório de farmácia na praça Tiradentes.
Entre 1966 e 1967, Laís fez curso de curso de modelo e etiqueta com Tita Bastos, uma referência na área de treinamento nessa área, tendo ensinado muitas misses e modelos famosas. Com 15 ou 16, segundo lembra Laís, ela começou a trabalhar como vendedora na loja de roupas jovens Mazzer – e lá organizava desfiles de moda. O dono da Mazzer comprou um horário na Rádio Cruzeiro do Sul, e o programa foi batizado de “Revista Feminina Mazzer”. E para alavancar a audiência, ele teve a ideia de colocar uma urna na loja para que as clientes escrevessem alguma coisa. E lá elas deixavam o nome, endereço, signo, alguma pergunta… Para alimentar a programação, ela e a mãe faziam os horóscopos, “e o povo ligava ao vivo, e diziam que dava tudo certo”, lembra Laís.
Nessa época, Laís também já desfilava em várias cidades, fazendo cerca de 15 desfiles por mês. Também frequentava os programas de TV, como Linda Zaparolli, para mostrar as coleções da loja.
Certa vez ela foi em um programa no antigo Canal 12 (hoje RPC – afiliada da Rede Globo) e que funcionava na Rua Emiliano Perneta. Impressionado com a voz e porte de Laís, um dos diretores a convidou para ser apresentadora de um jornal que ia ao ar às 19h. A princípio, ela recorda que negou, depois pensou, e acabou aceitando. Mas sua mãe, a princípio, não gostou muito da história. Foi então que dona Marta, proprietária da Loja Mazzer, que era muito boa com a família de Laís, convenceu a matriarca a permitir que a jovem modelo iniciasse um trabalho na TV. Foi assim, em 1968, com apenas 18 anos, que Laís Mann começou a apresentar um jornal na TV Paranaense, onde ficou por uns dois anos. Ela lembra com humor que “dava muita mancada ao vivo”. E assim foi aprendendo. Ficou tão boa no ofício que não demorou para que Osni Bermudes, grande profissional da comunicação e notável diretor de televisão da época, batesse à sua porta para convidá-la a gravar um comercial de Filatelia e Numismática, que na verdade era um teste para a TV. Laís conta que no dia seguinte, perto de 22h, Osni foi novamente à casa da apresentadora e disse à mãe da jovem: “eu vim aqui fazer uma coisa que vai mudar a sua vida”. Convencida, a mãe de Laís e ela foram para uma reunião com toda a diretoria da TV Iguaçú, incluindo o proprietário, Paulo Pimentel. Também estavam presentes, segundo Laís, os editores-chefe, Aderbal Fortes, o diretor geral da atração, e ainda apresentadores como JJ (João José de Arruda Neto), Jamur Junior e Raul Mazza, já conhecidos jornalistas. Tudo acertado, com 20 anos de idade, Laís Mann já estava na TV Iguaçu, que na época, segundo lembra, era a mais moderna do Brasil. Ela apresentava o “Show de Jornal”, onde começaram os âncoras. Fazia 90 pontos de audiência na época, única atração, que não era da Globo, e que fazia sucesso”, recorda. Realmente, segundo lembram os espectadores da época e muitos artigos, o Show de Jornal parava as noites de Curitiba.
Com o sucesso na TV, era inevitável chegar também um convite para a rádio. E foi na Rádio Independência, do grupo de Paulo Pimentel, e que ficava nos fundos da TV. Laís tinha um programa que começava às 10h da manhã. “De lá ia de bobs na cabeça para a TV apresentar o jornal ao meio-dia na TV Iguaçu.”.
Laís desabafa que a mandaram embora da rádio no dia em que ela assinou seu desquite. De acordo com a pioneira, o programa dela era o primeiro em audiência, mas separada do marido, se obrigou a levar os três filhos ao trabalho com ela, pois não tinha com quem deixá-los. “O estúdio vivia cheirando a cocô, pois Gabriel, o mais novo, ia comigo”, lembra Laís. Ela também conta dos vários afastamentos que foi obrigada a cumprir durante o período de rádio e TV para realizar intervenções cirúrgicas no útero, pois teve gestações bastante complicadas.
Apesar da fama e do talento, Laís não nega as dificuldades. Relata que quando casou tinha vários empregos. Trabalhou ainda como relações públicas da antiga Loja Prosdócimo, e montou uma loja underground com passarela onde promovia performances.
Saiu do canal 4 – TV Iguaçu, e foi pra Rádio Brasil 104, que só tocava música brasileira. Lá era apenas locutora, só apresentava músicas.
O sucesso foi grande na televisão, mas é sobre o rádio que Laís fala com paixão: “O rádio é, na minha opinião, o veículo mais importante da comunicação. Ninguém vai superar o rádio. Porque a televisão tem a imagem, ela até entretém um pouco mais pela imagem, mas ela é completamente fake. Brilhou a luzinha, e você sorri. No rádio não é isso. O radialista, ele é o rádio, ele está falando com quem está ouvindo, ele é quem diz o que tem importância, ele sabia mexer com aquele veículo. O locutor é aquele que anuncia e desanuncia música, que faz propaganda, que faz o rádio jornal. Eu sou radialista, eu gosto de fazer programa ao vivo. Gosto de falar com meu ouvinte.”
Laís também fala com carinho do tempo em que trabalhou na Rádio Difusora: “Quando eu trabalhei na Rádio Difusora, que eu abria meu programa, que eu dizia, “bom dia, boa tarde”, os meus ouvintes já estavam com o rádio ligado. Alguém perguntava: o que você tem hoje?! Eles percebiam que eu não estava bem. Então você ser radialista é você pertencer ao rádio, é saber que tá tudo aqui, tudo aqui. Não adianta você fingir que tá, tua voz tá bacana porque você não tá falando com a tua voz, você tá falando com teu coração.”
Foi com essa espontaneidade que Laís conquistou outros espaços nas rádios da capital. Ela conta que Gilberto Fontoura, radialista que dirigiu algumas emissoras de Curitiba, a convidou a trabalhar na Rádio Independência. Na época, segunda ela, a ideia era comprar o programa de outra famosa radialista nacional, mas era muito caro para o orçamento da emissora. Modesta, Laís achou que talvez não fosse dar certo, pois se considerava apenas uma locutora, mas apostou em sua personalidade, e no seu bom humor. Então, quando Fontoura pediu que fizesse um teste, e que falasse o que bem entendesse, Laís começou a discorrer sobre seus 30 anos… ficou mais de duas horas falando, e fazendo graça, sobre as alegrias e os perrengues da idade.
A franqueza e originalidade de Laís encantou, e ela conta que Gilberto Fontoura já estava decidido ao fim do teste: “Eu quero você assim no rádio!” O “Programa Laís Mann” ia ao ar logo cedo, e rendeu boas histórias:
“Eu ia para o microfone, e de repente tinha aquele monte de gente. O Gilberto corria pra mim e perguntava: o que você falou? Eu sei lá o que eu falei, tá gravado, já disse que vocês gravem, que eu não me lembro! Era cada coisa que acontecia que você não vai acreditar. Mandavam pilhas de cartas. De segunda a sábado, das 10h ao meio-dia, sem produção, uns dois anos ficou no ar”.
Um desses casos, ou episódios frutos da espontaneidade de Laís, ela mesma conta com detalhes:
CASO BRASTEMP: “Um dia eu tinha mandado a minha máquina de lavar roupa pro conserto e não me devolveram essa máquina e eu, puta. Cheguei no programa: “Bom dia. Gente, hoje eu tô muito irritada porque porra, você compra, você tem uma casa, eu tenho três filhos, dois filhos, não lembro quantos eu tinha… E aí você compra o que tem de melhor em eletrodoméstico. Então eu tenho tudo pra sempre dentro da minha casa porque dizem que é o melhor então é o melhor. Mandei numa porcaria de uma loja dessas de manutenção, até hoje não entregam a minha bababá, bababá, bababá, bababá. Meti a boca na loja, um horror. Acaba o programa, vem o Gilberto Fontoura. Tem um figurão que quer falar com você, ele tá aí. O que ele quer? Ai, que saco, eu quero ir embora, eu tô cansada, tô grávida. Ele já chegou dizendo que quer falar com a locutora que está no horário, aí o Gilberto me levou na sala dele, aí eu entrei, o cara realmente era um bacanão, executivo paulista, todo, né, a gente já viu de cara. Hoje não tanto, mas daquela época era a diferença de um executivo paulista. Veja o que aconteceu: Esse cara era um alto executivo da Brastemp, que estava em Curitiba. O maior problema de logística da Brastemp era a prestação de serviço através dessas lojas que dão manutenção. E ele estava vindo pra fazer uma reunião com os donos dessas lojas aí, pra pegar um marketing, adotar um marketing qualquer, pra fazer treinamento, tanto para técnicos quanto para funcionários. Então era atendimento e prestação de serviço… Muito bem! Ele chega no aeroporto, e cadê o motorista que ia pra buscá-lo? Chamou um táxi. Eles (os taxistas) eram todos meus ouvintes. Não tinha taxista que não me ouvia. O executivo senta no táxi. Ele ia pedir pra baixar o rádio mas ouviu Brastemp. Aí ele pediu pra aumentar. Primeiro achou que era a Cidinha, outra radialista famosa, mas viu que era uma radialista local e perguntou pro motorista quem é era a locutora, e o motorista falou: Essa é uma louca porque ela briga com todo mundo, e não sei o que lá… Ele perguntou onde era a rádio, e pediu para levá-lo lá. Resumo da ópera: Ele me disse: Você fez a maior propaganda que se a Brastemp fosse fazer, não conseguiria. Eu vou levar essa sua gravação para São Paulo e mostrar para toda a diretoria. E se a senhora me autorizar vou usar essa gravação nessa palestra! Mas a rádio não autorizou, pois a gente não podia ser pago e locutor não podia fazer comercial, não podia ganhar presente, nada. O cara ainda perguntou o que eu estava precisando na minha casa, mas eu não aceitei. Então aconteciam coisas desse tipo.”
Como Laís já contou, era famosa entre os taxistas, e outro episódio foi justamente com um desses profissionais. A narração de Laís continua impagável:
CASO TAXISTA: “Uma vez peguei um táxi, e eu estava grávida. Ele foi me levar de um lugar para o outro, e eu quase tive o filho dentro do carro daquele louco. Meti a boca no ar. Quando terminou o programa, as imediações da rádio estavam alaranjadas. Aí veio o Gilberto: o quê que você falou? Não sei! Você falou de taxista? Falei. Eles estavam lá pra me prestar solidariedade porque eu tinha dito que aquilo nunca tinha me acontecido, que eu pegava táxi toda hora e que aquilo era uma exceção. Então que os outros motoristas também fiscalizassem a classe deles. Então eles estavam lá para se solidarizar comigo.”
CURIOSIDADES
Cheia de histórias, Laís conta outras curiosidades que lembra com carinho da sua jornada como radialista. Segundo ela, saia do jornal com o segundo marido, e ia comer na Confeitaria Iguaçu, e no Bar Palácio. Esse último funcionava 24 horas, mas Laís conta que a mulher “de família” não entrava: “Só entrava puta, o marido ia lá, pegava um sanduba e eles comiam dentro do fusca. Mas por causa da popularidade, Laís foi uma das primeiras a entrar, sem problemas, e começou a frequentar o estabelecimento com os jornalistas da TV Iguaçu.”
Outro episódio que Laís lembra foi o constrangimento, não com ela, é claro, que ficou no ar quando a coreógrafa, diretora e atriz Denise Stoklos participou do “Show de Jornal” com crônica, e a foi a primeira pessoa a falar “porra” no programa.
Em 1976, Laís Mann foi capa do Diário do Paraná falando da ida para o canal 6, ainda inchada após ter um filho. E foi uma das primeiras a apresentar um jornal às seis da manhã. “O primeiro que não foi “gilete press”, jornal com roteiro.”
Laís Mann explorou seu talento também nos palcos: atuou como cantora e atriz em várias peças, e com seu espírito livre, se aventurou por Brasília, em cargos mais administrativos, no Rio de Janeiro, onde mantém amizades e parcerias com vários artistas, mas sempre volta à Curitiba. Com o Trio Quintina Orquestra, também da capital paranaense, gravou um álbum de tributo a Billy Blanco, com clássicos ainda mais agradáveis de ouvir, na sua interpretação marcante e cheia de personalidade, como tudo que fez, e continua fazendo.
Inquieta, Laís Mann nem sabe o que é aposentadoria, como já disse em algumas matérias por aí, e é, com muita honra, uma das entrevistadas do projeto de roteiro para o documentário “Vozes Pioneiras – A Influência e o Papel das Mulheres na História do Rádio Paranaense”.