MARIA CRISTINA
De fã à estrela das radionovelas curitibanas
Em 1959, uma adolescente não tinha muitos programas para se divertir em Curitiba. Mas Maria Cristina, uma garota nascida na Alemanha, e que se mudou com seus pais poloneses para o sul do Brasil, com apenas 4 anos de idade, não queria saber de saídas, não. Com 14 anos de idade, ela estudava e trabalhava em uma loja de louças na Praça Generoso Marques, centro de Curitiba. E não via a hora de terminar o serviço e voltar para sua casa no bairro Campo Comprido, a tempo de acompanhar as tramas das novelas das 20h e 21h, que dominavam a programação das emissoras de rádio.
Ela conta que ficava sentada embaixo de uma prateleira de madeira construída por seu pai, onde ele deixava o rádio, e era seu grande prazer era “viajar” com as histórias interpretadas pelos radioatores e radioatrizes da época. E foi acompanhando os dramas das novelas pelo rádio, que Maria ouviu uma chamada na Rádio B2 anunciando teste para vaga de radioatriz. Uma das principais artistas da emissora, Elaine Graça, e que fazia o papel de protagonista em uma das novelas, havia se casado em janeiro daquele ano, e se mudado para Londrina, deixando lugar para uma nova voz. Como o estúdio ficava perto da loja onde Maria Cristina trabalhava, ela decidiu arriscar e fazer o teste. Chegando lá, disputou a vaga com mais 15 pessoas, que estavam sendo orientadas pelo diretor Ivo Ferro. Os candidatos dividiam a leitura de vinte páginas do roteiro de um capítulo da novela. Cada um ia para frente do microfone interpretar suas falas, enquanto o diretor observava tudo pela cabine.
Maria ficou entre as cinco selecionadas, e foi encaminhada para estudar na escolinha de radioteatro da B2, na qual Daiana Maclovia e Pedro Washington ministravam aulas, 3 dias por semana. Mas o curso era pago, e como Maria Cristina não havia contado para seus pais, e tinha o compromisso de entregar a maior parte do salário que recebia na loja de louças para ajudar nas despesas da família, ela criou coragem e pediu ajuda ao diretor Ivo, que lhe fez uma proposta: ofereceu a Maria “pontas” em pequenos papéis, para que ela ganhasse experiência, e assim, pudesse pagar pelas aulas.
Destino, sorte, ou muita vontade e talento juntos. Talvez uma mistura de todos esses fatores, mas o fato é que a grande chance de Maria aconteceu mais rápido do que ela esperava. Tendo feito apenas duas aulas, ela se deparou com a oportunidade que já colocou seu nome entre as estrelas do rádio paranaense. E ela não deve dúvida em agarrar a chance. E tudo aconteceu quase como num drama que poderíamos ver, ou melhor, ouvir em uma radionovela. Chegando na emissora para fazer mais uma ponta, Maria Cristina presenciou uma discussão acalorada no corredor da emissora, entre o diretor Ivo Ferro e Lucireni Machado, intérprete de Rosalina, a mocinha da radionovela “A Noite do Meu Destino”. O motivo do desentendimento eram os constantes atrasos da moça, o que causava grande transtorno, já que naquela época, as radionovelas ainda eram transmitidas ao vivo, e qualquer mudança na programação, por atraso de um dos atores ou outro problema, custava uma multa à emissora. Como você deve imaginar, Lucireni Machado foi dispensada ali mesmo pelo diretor, que ao ver Maria Cristina, decidiu colocá-la para fazer o papel da protagonista naquele mesmo instante. Maria Cristina lembra que foi um momento de grande apreensão de todos, pois ela mal havia começado a fazer pequenos papéis, há apenas alguns dias. Mas mesmo com o receio de todos, e a ansiedade da própria Maria Cristina, que foi mais no susto, na cara e na coragem, tudo deu certo, e todos vibraram no final da transmissão. Mesmo nervosa após a estreia inesperada, de supetão, nossa pioneira garantiu seu lugar no elenco principal nesse mesmo dia. Tanto que nem precisou voltar para a escolinha, aprendendo o ofício literalmente ao vivo, e movida pela vontade, vocação e paixão pela interpretação. Com a carreira de radioatriz encaminhada, e apostando na nova profissão, Maria Cristina deixou o trabalho na loja, e finalmente contou a seus pais. A partir daí, ela lembra que foram cerca de seis anos à frente da celebrada atração radiofônica, período durante o qual recebeu centenas de cartas e seu nome ficou muito conhecido. Aliás, Maria Cristina é seu nome artístico, e foi escolhido pelo diretor Ivo Ferro, já que o nome de batismo da nossa radioatriz era Marja. Na última atualização de sua documentação de estrangeira foi traduzido para Maria, e Ivo só sugeriu acrescentar o segundo nome “Cristina”. E assim, Maria Cristina foi emendando trabalhos. A segunda novela protagonizada por ela foi “Só Pelo Amor Vale a Vida”. O fato de tudo ser transmitido ao vivo a impedia de participar das novelas noturnas, já que o último ônibus para o bairro onde morava partia 20h. Mas isso logo foi resolvido. Em menos de um ano, o investimento em novos equipamentos permitiu a gravação das radionovelas e outros programas na emissora, e Maria Cristina passou a fazer parte também do elenco noturno.
Foi uma carreira de rápido sucesso e reconhecimento. Em 1961, com apenas 16 anos, foi convidada a trabalhar na TV Paranaense, onde estrelou no elenco de “Em Cada Vida Uma Canção”, atração exibida ao vivo aos domingos, do meio-dia às 13h30. O programa ficou no ar por aproximadamente sete meses. Ao lado de outros atores, eram interpretados hits de grandes cantores da época, como Nelson Gonçalves, Cauby Peixoto, Angela Maria, entre outras estrelas.
Maria Cristina quis aproveitar intensamente o bom momento, e manteve-se nos dois empregos, trabalhando de dia na rádio e de noite na TV. A intensa experiência rendeu frutos. Em 1962, apenas 3 anos após iniciar sua carreira interpretando personagens no rádio e atuando também na TV, ela foi premiada com o título de melhor rádio atriz do Paraná. Naquele tempo a RB2 transmitia novela às 8h30, 10h30, 13h, 14h, 15h, 16h e 17h.
Na sequência tinha a oração da Ave- Maria, seguida de “A Voz do Brasil”, às 19h e depois, mais novelas: às 20h e 21h, o que nos leva a ter ideia do quão populares eram essas atrações no rádio. As novelas costumavam ter em média, de 30 a 40 capítulos, exibidos 3 vezes por semana. Eram histórias que não acabavam mais. E foi um período extremamente produtivo para Maria Cristina. Em 1965, na TV Paranaense, trabalhou ao lado de Sinval Martins na novela “Alma Torturada”, segunda novela feita em Curitiba. Depois da TV Paranaense, ela trabalhou ainda no Canal 6 em “Pedro Feio”. E também no Canal 4, além de ter se aventurado em peças exibidas no Teatro Guaíra.
Somente na Rádio B2, Maria Cristina foi funcionária de 1959 a 1967. Emprestou seu talento e voz por alguns meses para a Rádio Estadual, momento em que implantaram vários ônibus na cidade, e seu papel era informar os horários para a população, entre outros serviços. Após esse período, a artista mudou-se para outra cidade, e voltou à Curitiba no fim dos anos 80 à convite da Rádio Atalaia para fazer parte do programa “Aconteceu”, transmitido das 8h às 9h. A atração ficou no ar apenas por um ano e meio, pois a emissora foi vendida para uma igreja evangélica, que considerou que o programa não se encaixava na proposta da nova grade.
Mas Maria Cristina nunca parou de trabalhar. Depois da Rádio Atalaia, participou de vários projetos com seu marido, Rogério Camargo, que conheceu nos tempos das radionovelas da B2, onde ele trabalhava como sonoplasta, radioator e roteirista de comerciais para a emissora.
Apesar de ter começado cedo, inexperiente, e rapidamente já ter encarado desafios para artistas veteranos, Maria Cristina lembra que teve uma grande referência e conselheira no início, e durante sua carreira: a radioatriz Lourdes Maria, que fez muito sucesso nas décadas de 1950 e 1960.
Sobre as dificuldades de trabalhar em um ambiente predominantemente dominado pelos homens, e que durante muito tempo não era bem visto por grande parte da sociedade, Maria Cristina admite que havia sim, muitas cantadas e “saliências” no ambiente das emissoras, especialmente quando ela ainda lutava por uma vaga de destaque. Mas orgulha-se de ter tido ótima educação, e uma postura muito séria durante sua jornada, que lhe garantiu habilidade para lidar e contornar esse tipo de situação sem grandes problemas.
Maria Cristina, uma das grandes radioatrizes das novelas do rádio paranaense, foi uma das pioneiras que tivemos orgulho e alegria de entrevistas para o projeto de roteiro para o Documentário “Vozes Pioneiros – a Influência e o Papel das Mulheres na História do Rádio Paranaense.”